quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O sanatório e o nosocômio


leia antes de ler

o sanat´rio e o nosocômios s~o subsubdivididos:
cinco mil alas indefinidas para os sem raz~o
desnudarem seu ba´  de algaravias perplexas
por labirintos de dimens~es invis´veis e s´s
eles mergulham em poças de paix~es secretas
desamarram os cadarços dos lugares-comuns
explodem bal~es com acentos ortogr´ficos
circundam as horas em cirandas e novenas
e empinam asas para catapultar os muros
eis que são de mat´ria id^ntica a dos poemas

o diretor



exercício nº 1

o poeta é um ator por escrito
cumpre andar no verso e não em linha
- reta só na planície da contemplação

publica-se no chão
para os cabisbaixos
os meditabundos
os que pesam

nas paredes
para os acometidos de torcicolo
e nas frestas da paisagem
para os caçadores de disfarces

nas latas de lixo e sob viadutos
para dar aos colegas catadores
e ao correr ligeiro dos atletas lixeiros
uns alfarrábios maltrapilhos

e no teto da madrugada
para falar com os lunáticos

se assim não o fizer
o poeta não será um louco
a um passo do cadafalso
será apenas mais um chato



um homem

era de atrevimento doce
exata definição aparente
inexistente precisão de contornos
se descompunha ao se redefinir

pelos cantos
dançava significados eloquentes

pelos salões
sinfônicos silêncios

seu brilho era opaco
seu vazio translúcido
sua marca a escuridão acesa
luz apagada ainda a pouco



saguão

na minha sala de cinema favorita
aguardo a sua ausência sair de cartaz
o que estivemos falando não importa
vamos tomar cafés
acender cigarros
folhear as páginas dos jornais que estão passando na rua
torcer pra continuar nessa velocidade de relógio suíço
sem queixa




upgrade

meu amor
o amor virou commodity
sem discussão
aprenda a negociar na bolsa

não não não não não não
nada errado com a sua linda coleção
digo bolsa dos novos valores
o que o amor vale ou não
suas flutuações diárias
seus humores mercadológicos
perceptíveis aos mais sensíveis

procure entender meu amor
o amor este de que falamos
para a maioria dos investidores
é um lance no pregão

uma carta de crédito
um débito em conta
uma especulação



em frente

invadir os porões
os sótãos
e as adegas

(inversa ordem coragem tomar)




caos

o que há de mais licoroso na bagunça
é sua ordem aleatória de quebra-cabeça

a desfaçatez estratégica
o enigma matemático
o delírio geopolítico
a desarrumação psicológica
a periculosidade moral

a anarquia!



sós

os outros carpiam o devir
eu deserdava solidões
acompanhado de tu

depois tu ia embora
ficavam só elas
as fantasias sem carnaval



tabacondria

não consigo deixar de fumar
nada combina melhor com a miséria
do que inalar a morte a tragadas

se forte fosse e outra vida levasse
não seria nem covarde nem suicida
seria hipocondríaco




tese

em síntese
o assassinato
é uma tese
que todo mundo
já levantou
mirou
mas não apertou o gatilho



sapiens

o homem é a praga
e o antídoto

ao mesmo tempo
mortífero e inócuo



mapa

hoje eu peguei outra
mudei o traçado
os sapatos
o lado da calçada

hoje eu peguei outra
sozinha perdida vadia
nem consta no mapa
nem carteiro pisa nela

hoje eu peguei pesado
pra levitar caminhando
por onde quer que eu vá
estou no meu labirinto



os três porquinhos

a imprensa é o poder falante
a hipocrisia é o poder calado
o governo é o showroom



seriedade

eu já levei a vida a sério
sentei-a na cadeira
e dei-lhe um baita sermão

hoje deixo que ela vá à merda sozinha




obsoletras

assim como outras máquinas e pessoas
a máquina de escrever tornou-se inútil
peça de um mundo com pressa mecânica

os datilógrafos
o papel carbono
a matriz de mimeógrafo
e o errorex
foram salvos no passado

para copiar basta um ctrl + c
para apagar é só deletar
embora o erro insista em objetar




chave

à mão na máquina teclado guardanapo carteira de carlton folha ofício A4 tanto faz

escrever é a própria ferramenta



madrugadão

noturna trincheira cheia de areia
fantasmas entre desvaneios fumarentos
tinteiro raso e escassas tintas
os relógios não dormem
cruzo com palavras
mundo riscado de esquinas
o dicionário com cheiro de gengibre
pólvora molhada
televisão (des)desligada
o inimigo sou eu meu amigo



cisma

tenho cisma com rima
elas governam o pensamento
através de cifras matemáticas
ímãs simbolistas
e bigornas parnasianas

o pensamento só pode ser livre
(e só pode ser se for livre para não pensar)
se estiver acima das nuvens
abaixo da raiz

a rima não é semente
já nasce flor
exageradamente




memórias esquecidas

de todas as coisas presas no caminho
a olivetti lettera 32 penhorada para pagar aluguel
os livros e os discos abduzidos por amigos queridos

pessoa
e.e. cummings
dois volumosos drummond
de uma levada só
- quem?

de todas as coisas despreendidas
aquela cor clarividente da manhã
os lábios roxos de frio na porta do bar
aqueles acordes de new chautauqua
teu o que era eu



tinteiro

o poeta está seco
nenhuma gota
nem viço de verso
ou tinta

o poeta escreve
mas tudo é destituído
de inverdade

o poeta está perdido de si

o poeta está concreto
desalmado




dia d

o sol partira sem aviso prévio
malas e bagagens
os padres erguiam as batinas
e expunham em riste as partes pudendas
às virgens espavoridas
um velho irritado e de ressaca
chutava latinhas de cerveja
no beco da comiseração
gritando meu deus
eu sou tu?



círculos

detalhe na paisagem
um bar
uma fuga de joão sebastião
eu senti você chegar

o seu era um olhar
o meu era apenas eu olhando
aquela pan

quando nem vi você tinha já
perfume
sabor
ânsia

e nos víamos como se nos conhecêssemos

as coisas são sinuosas
cheias de círculos
circunscritos
como os abraços
e os laços 
desfeitos



sofá-grama

a gente tava ali
eu e meus botões
ninguém mais
deitados na grama do sofá
eles num entra e sai das casa
eu no meu laissez-faire
e me veio tu
enroscada num lençol barato
transtornado em seda pura



figuras

melancolia lia meus lábios
com ares de metáfora entediada
e soletrava sei o que lá
- o farfalhar de um eufemismo?
talvez uma silepse toda hiperbólica
para os meus ouvidos torpedeados
torcendo que tu calasse
o silêncio anacoluto



caatinga

vasculhar a cidade à cata de calçadas descalças
pisoteadas caçoadas espremidas nas paredes
jogadas na sarjeta escoadouro desconhecido das esquinas
como o sertão descascado todo só um desconcebido




in memoriam

sufocado sob violetas
ele morreu silenciosamente
não saiu no jornal
não houve consternação

seu nome era outono
da tribo dos equinócios
tinha os mais belos dias
a luz preferida por monet
boa temperatura para o tinto

morreu como veio ao mundo
entristecido
sob a copa das árvores
deixa folhas 



cristalino

de outrora
num mundo infante
distante de agora
vem uma mensagem
em forma de paisagem

: um menino
um sol consonante
e muita chuva amiúde
lavam de cor
embaçam a vidraça
molham o porvir

o cheiro de terra molhada
um halo de ingenuidade
um jeito de rir
e de enloucrescer



CERTEZA

A VIDA É AMOSTRA GRÁTIS
A QUEDA É LIVRE
NÃO FALE COM O MOTORISTA
ELE ESTÁ TODO CAIXA ALTA







Poexos


pornortografia

poemásculos
feminílicos
poeminos
machocados
femilíricas
machopéias
masculares
feminondas
poemeus
nos poeteus 
machoetas
nas poêmeas



escrevia

por ti eu escrevi todos os dias
desenhando cada letra com amor
teu corpo era um caderno fechado
que eu abria e rabiscava lentamente
até arrepiar os pêlos das frases 
até ouvir tu pedir que rasurasse
com uma urgência quase criminosa
as folhas virgens que não mais existiam



desata-me

tuas costas descendo
davam nuns morros
lindos de escalar

as longas estradas
das tuas coxas
davam falta de ar

os teus olhos eram
duas luas negras
numa manhã de maio

tua nuca nua
exalava fuligens
vulcânicas

e teus seios 
endureciam em minhas 
mãos atadas



amor

sentíamos que a validade do amor
era indeterminada
um estoque infinito de abraços e beijos
tomava conta da casa inteira
quarto sala cozinha banheiro corredor
e amávamos e amávamos e amávamos

mas um dia sem explicação alguma
(impossível encontrar uma na despensa)
o amor começou a sumir da casa
(deixou rastros mas nenhum bilhete)
foi nos deixando
vazios pela sala 
sozinhos no banheiro
com olhares tristes
(olhares tristes emolduram-se para sempre)

quanto mais tentávamos reencher
os vasilhames dos corações 
com algo que não mais existia
(uma mímica incompreensível)
mais desamávamos e desamávamos
dois corpos sobre a cama
gozada



sem nada

sem nenhuma poesia ela me dizia 
pra que isso?
se os cem sonetos de amor de neruda
já seduziram e vestiram minhas fantasias
e os homens despiram minhas ilusões

e rrrrrrrrrrrrriiiiiiiiiiiiiiaaaaaaaaaaa 

sem nenhuma poesia ela repetia
o melhor amor se faz sem nada
como mendigos
no colchão da madrugada



sequestros

no tocante a ti
quando acabou
terminantemente
depois tu veio
e falou

- o fim só não
virou recomeço
quando acertaste
meu rim

engraçado
nos conhecemos
tratando do fígado

lembras?
extraterrestres invadiram a clínica
queriam te raptar
- fui salvar a guriazinha



orla

pinheiros publicitários partilhados
na cobiça da orla
os salva-vidas passeiam marenhos
olho no tédio assassino das ondas

no lençol da sua órbita
ela exorbita



mar 

é



cactus

tua ausência faz tanta falta
quanto água no deserto
mas tem tanto refil por perto

refis alimentam meu corpo
mas não há preenchimento
para um cactus vazio 



pegada

teus seios mornos
sei-os de cor e salpicados
tuas bocas abertas
entro como dono
tua pose entregue
é uma ordem
tomo posse
mãos ao alto
isto é uma lânguida curra



costura

as mulheres só vão embora
quando têm certeza de que vamos lembrá-las
muito além do corte e costura de um texto 



ar

ela gostava de ficar quase a morrer
de falta de ar
e a gritar e a bater e a desejar
tu vai me matar



mil novecentos e tal

perseguir os olhos agudos do carteiro
indo nem lerdo nem ligeiro
entregar-me-te em mãos
num outro século



linhas

os olhos negros dessa mulher
quando miram quem
e o que
exatamente
ela quer



dedos

dedos abrindo a mata cerrada de cabelos
dedos arrepiando teus pêlos
dédalos de dedos e cabelos se engalfinhando
o registro digital na filigrana dos fios
dedos denunciando a nuca sob os cabelos
cabelos ao meio das costas
naquele ponto exato em que feito mãos
dedos não envolvem apenas melenas
mas a helenice dos seios



olhares

você é toda par de olhos
veio daquele jeito 
de quem diz ao que veio
e soletrou tu tá triste
amarrotado e feio

me fez até vomitar o belo jantar
saí dali que nem caim
mas que lugar me esconde de mim?



poxa

tuas coxas merecem poxas
porra são tão duas
sevindo geografia e pastagem
escondem vales cachoeiras
sete quedas de ânsias
tuas coxas me engolem
fazem por merecer meu pólen



caroço

o zoológico é uma biblioteca 
a biblioteca é alojamento de fantasmas
os fantasmas são atores de cinema
o cinema é prestidigitação

a ilusão é real
o real é invisível
ao olho
cru

a lua nova é um pedaço de unha
unha é proteína pura
pureza é nome de margarina
- já assistiu ao último tango em paris?

a paisagem é ilusão de ótica
ótica é um ponto de vista cego
cegos veem por tato e cheiro
você tem casca
bagaço
mucosa de manga
tudo bom de comer

a gente é bicho



esfinge

numa perspectiva egípcia
há uma gata siamesa
deitada num tapete persa

ou uma cobra se arrastando
pela beira do nilo



energia vital

sumiste
numa nota
um dó

despareceste
deixaste
o pano cair

sorriste
meio triste
e meio

partiste
num bonde
pra onde

te foste
nunca com tanta
energia eólica



amém

queria fazer um poema 
pornoescatológico
que terminasse num amém

depois iria me confessar ao padre
só pra ouvir um porém
dos infernos



tereza

a única mulher que me comoveu
foi madre tereza de calcutá
as outras ou são madres
ou são só terezas
ou alto lá



de viver

e viver é sofrer
e sofrer é gozar
e gozar é morrer
um pouquinho

morrendo
gozando
sofrendo
vivemos

o que ainda é só



vira

teu lado blue jeans comestível
é o melhor
o pior vamos combinar
é melhor ignorar
quero ver o lado bom da coisa
vamo vira
doce
ácido
leite condensado por cima



tatu

tá tu com falta de eu
que me precisa
a tua mão alisa a perna
e olha bem meu bem
a perna é minha
e quando tá tu assim
ai de mim ai de mim
tá tu bem tu 
cheia de esses e xises
tuas mãos suam
os olhos comeram luas
a voz ruge e arranha
o peito é um vulcão
tuas cadeiras rodopiam
teu ventre flamba
tuas pernas bambas
tua boca louca
tá tu com falta de eu 
tô dentro



pra ti

meu sentimento corcunda
circunda a ausência do teu corpo
gotejo te escrevendo
te esculpo imaginando
te mastigo lanchando



errata errática

quando saio de casa
sei se estou do lado avesso ou não
e invisível
até encontrar você despida de pudores

quando acordo querendo morrer
esqueço ao te ver morta viva
do meu lado

quando chega esta noite
que desaba sobre mim
tu surges no céu
estrela vadia
piscando sem vergonha



a outra

a mulher só perde a virgindade 
ao assumir que tem outra por dentro
e suplicar castigo por sua inocência



undelivered

mandei um milhão de e-mails pra ti
eles voltaram dizendo
undelivered mail returned to sender
undelivered mail returned to sender
undelivered mail returned to sender
undelivered mail returned to sender

que falta de educação
tua caixa de entrada é tão fria
quanto o teu fígado ou o teu rim



censura

a melhor bebida vem da uva
o melhor beijo vem da boca
mas tem umas frutas e lábios
impróprios para abstêmios



u

enfiei o i no teu u
tu soltaste um ai
mesmo assim sussurraste
vai



ascunho

dei a ela um livro de páginas em branco
em retribuição ela escreveu uma história
em que sou um voyeur cego
assistindo a um filme com sintaxe pornô



m&m

quanto mais tu lê
martha medeiros
mais tenho vontade
de te comer

martha medeiros
não é afrodisíaca
é só um m&m
da literatura

mas tu te gosta toda
nas frases dela
e eu me acabo
comendo as duas



haicais

entre o mar e o rochedo
fico com o musgo
do teu brinquedo

de alma estropiada
tu não titubeaste
te enfiaste



a teus pés

que sina
me espreitando na esquina
aceso
faiscando
vidrado
o olhar de cristina
tá fissurado

abro o olho
não adianta
ana cristina césar
repousa sua deprê
no bidê 

nós três assim
vai dar em poema
petit comité



paz é amor

debate é flerte
polêmica é o bom e velho sexo
guerra é sexo dos impotentes:

querem impor o poder imperial 
de suas próteses penianas